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Pandemia, maternidade e a surpresa do diagnóstico: o dia em que tudo mudou

Tempo de Leitura: 5 minutos
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Seria mais um dia de pandemia de COVID-19 sem sair de casa, se não fosse por uma discussão entre mim e meu marido. Ele chegou da rua com a notícia de que uma amiga, Juliana, na época estudante de psicologia, havia aconselhado que levássemos nosso filho Gael a um neurologista. Me senti invadida. Não acreditava que um raio cairia três vezes no mesmo lugar. Gael era o único sobrevivente de uma gestação trigemelar que eu ainda estava digerindo. Estava tentando me familiarizar com as nuances da maternidade, que naquele momento ainda acreditava ser típica, apesar de todos os desafios impostos pela pandemia.

Gael apresentava alguns comportamentos diferentes desde o nascimento. Tinha resistência à dor, rejeitava brincar com outras crianças e não conseguia ficar parado por muito tempo, apresentando pouquíssima interação social. Era inquieto. Quando aprendeu a andar tardiamente, subia e descia as escadas do condomínio sem propósito, apenas vagando de um lado para o outro. Quando bebê, eu o colocava para brincar no tapetinho de atividades, mas ele não ficava com o mesmo brinquedo por mais de um minuto. Na verdade, ele preferia potes e tampas que gostava de rodar e girar. Lembro-me dele tentando colocar um pote de whey protein vazio na cabeça. Eu e meu marido nos divertíamos com isso, sem saber que esses já eram sinais de autismo.

Gael não falava “mamãe” nem “papai” e demorou para balbuciar. Apresentava dificuldade em olhar nos olhos, trocava desenhos por músicas, como Freddie Mercury e Elton John, e rejeitava a presença de outras crianças. Uma vez, tentamos levá-lo ao aniversário de um amiguinho no condomínio. Ele gritou e esperneou, e todos olharam para nós com cara de reprovação. Nem eu nem meu marido entendíamos o porquê. Ele não gostava de ambientes fechados como salões de festas; precisava de espaços amplos e abertos. Durante a pandemia, tentei levá-lo para brincar no quintal com o filho de uma vizinha, mas percebi que o filho dela o rejeitou, e até mesmo a vizinha ficou incomodada porque Gael não interagia como ela esperava. Ele vivia em seu mundo particular.

Gael andava na ponta dos pés e imitava com ações físicas os poucos minutos de desenhos que assistia da Peppa Pig durante a pandemia. Se a Peppa se jogava no chão, ele também se jogava repetidamente. Eu corria e desligava a TV, pois aquilo me assustava. Ele repetia apenas o final de algumas palavras; ainda não sabia que era ecolalia. Falar “papai” e “mamãe” aos três anos parecia impossível, e eu achava que esse atraso na fala era normal, que fazia parte do “tempo de cada criança”. Até que algo inesperado aconteceu: Gael começou a ler, absolutamente do nada, sem escola, apenas com estímulos normais de brinquedos e quebra-cabeças de alfabeto. Contudo, ele ainda não falava “mamãe” nem “papai” e não formava nenhuma frase aos três anos de idade.

Fiquei intrigada e lembrei da Juliana, a amiga do meu marido, que havia sugerido levarmos Gael ao neurologista. Eu me perguntava como nenhum dos pediatras que levamos Gael percebeu algo, e uma simples estudante de psicologia sim? Levamos Gael a mais de dez pediatras, pois sou muito exigente em busca de respostas. Procurava pediatras integrativos que infelizmente o plano não contemplava. Criei rotinas para Gael desde o seu nascimento: rotina para dormir, para o banho, para contação de histórias, para estímulos motores em casa, alimentação saudável e tudo mais. Estava fazendo meu melhor, acreditava que estava tudo bem, mas comecei a receber outros avisos: da sobrinha do meu marido Natália, da minha irmã, da minha mãe. Até uma carta de uma grande amiga eu recebi, todas dizendo: “Anna, leve Gael a um especialista.” Me rendi e resolvi levar Gael ao neurologista Dr. Gustavo Do Valle, que era do plano de saúde, em Copacabana.

Saímos do Recreio para a Zona Sul no auge da pandemia. Achei que o consultório estaria vazio, mas me enganei. Estava cheio de crianças chorando, andando e gritando. Pais nervosos de um lado para o outro. Eu, Gael e meu marido estávamos atordoados, confusos, aguardando na escadaria do prédio comercial porque não tinha espaço para nós na sala. Gael não parava um minuto sequer, agitado. Assim que entramos no consultório, Dr. Gustavo nos fez perguntas e observou Gael, que não parava quieto e mexia nos itens e brinquedos da sala. Em menos de 15 minutos, Dr. Gustavo nos entregou um laudo com as siglas CID 10 e CID 11: Gael Camargo de Castro, criança no espectro do autismo. Lembro que o mundo parou ao meu redor. Como ele poderia saber em menos de 15 minutos de consulta? Ele respondeu: “Mãe, eu faço isso há anos. Assim que Gael entrou no consultório com movimentos repetitivos, estereotipados, sem dar função adequada aos brinquedos, ecolalia e hiperatividade, andando na ponta dos pés, não preciso de mais uma sessão para ter certeza.”

Minhas pernas estavam bambas. Estava imóvel, sem saber o que pensar. Dr. Gustavo, direto como é, antes de sairmos, alertou: “Leve seu marido a um neurologista de adultos, pois ele também é autista.” Minha vida virou de cabeça para baixo naquele momento. Iniciava-se uma nova etapa em nossas vidas. O autismo estava entre nós, e precisaríamos desvendá-lo. E assim tudo começou.”


Anna Flávia Camargo de Castro
Seja bem-vindo à minha coluna sobre maternidade atípica. Sou mãe de Gael, de 6 anos, autista de suporte 1, com hiperlexia e Altas Habilidades. Minha jornada começou com o diagnóstico de autismo do meu filho, sobrevivente de uma gestação trigemelar. Tornar-me assistente terapêutica e aplicadora ABA foi essencial para ajudá-lo. Nesta coluna, compartilho reflexões, desafios e aprendizados sobre maternidade atípica, usando meu “Método 1:1”, que inclui nutrição, tratamentos integrativos, terapias multidisciplinares, manejo em ambientes naturais e criação positiva.

@annaflaviacamargo_
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