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Diarreia aguda em crianças.  Porque a suplementação com Lactobacillus reuteri DSM17938 é importante

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Women have abdominal pain because of menstruation lying in couch and holding her stomach.

As diarreias são implicadas como a segunda causa de mortalidade em todo o mundo e primeira quando analisada a população pediátrica, sendo maior, quanto piores as condições sanitárias. Sua frequência é talvez subestimada, já que grande parte dos casos têm resolução espontânea, não chegando aos serviços médicos. Notamos diminuição das taxas de mortalidade nos últimos anos, especialmente quando estudamos crianças menores de 1 ano, provavelmente devido ao uso cada vez mais difundido de soluções de hidratação oral, juntamente com amamentação natural e melhoria das condições sanitárias e vacinação contra o rotavírus. São vários os fatores de risco para o aparecimento da diarreia: viagens recentes para áreas de saneamento básico ruim, campistas (fontes de água contaminada), ingestão de alimentos suspeitos (frutos do mar, salgadinhos, maionese, restaurantes, banquetes etc.), grupos de risco (homossexuais, trabalhadores do sexo, usuários de drogas intravenosas etc.), uso recente de antibióticos, hipocloridria.

A presença de diarreia traduz uma alteração na barreira intestinal existente em nosso organismo, o qual em estado de saúde, através da produção adequada de muco, anticorpos (IgA) e defensinas (substâncias produzidas pelo intestino com poder bacteriostático), além da atividade dos “tight junctions” (estruturas que mantem as células intestinais ligadas e coesas), é capaz de evitar que as bactérias ruins provoquem doença. Em quadros de desiquilíbrio entre as bactérias boas e ruins (estado conhecido como disbiose), ocorre perda desta barreira protetora, com diminuição da secreção de muco, IgA e defensinas, além de perda de eficácia dos “tigth junctions”, aumentando a permeabilidade intestinal e permitindo que agentes patogênicos penetrem na mucosa, desencadeando assim processo inflamatório que vai culminar com aumento da secreção e da motilidade intestinal, que se traduz por diarreia.

Assim o uso de probióticos (organismos vivos que quando fornecidos em quantidades adequadas fazem bem para nossa saúde) tem como meta principal restaurar o equilíbrio entre as bactérias boas e ruins (eubiose) e diminuir as eventuais complicações associadas.

Os probióticos vão exercer seu efeito benéfico nas diarreias, primeiro através de sua chamada ação protetora, deslocando agentes infecciosos que causam diarreia, competindo por nutrientes e receptores (estruturas da parede intestinal cujos agentes infecciosos se ligam para exercer seu efeito nocivo), estimulando a produção de defensinas pela parede intestinal.

Cepas probióticas podem ainda a permeabilidade intestinal, aumentando a eficácia dos “tight junctions”, aumentando a produção de muco e também de IgA pela mucosa intestinal. Esta diminuição da permeabilidade, dificulta passagem de bactérias, vírus e seus produtos para as camadas mais profundas do intestino, diminuindo assim o processo inflamatório nesta região, o que leva a menor estímulo das terminações nervosas do intestino, restaurando a contratilidade e secreções intestinais outrora alteradas.

Existe também uma função imunomoduladora exercida por estes microrganismos. Receptores especiais, são capazes de reconhecer antígenos bacterianos e coordenar o tipo de resposta imunológica, tanto a nível sistêmico quanto local. Assim, quando um probiótico é reconhecido, normalmente desencadeia um tipo de resposta imune benéfica ou anti-inflamatória, fazendo com que a “saúde” intestinal seja restaurada.

Os probióticos podem também fermentar fibras solúveis produzindo os chamados ácidos graxos de cadeia curta (propionato, acetato, lactato e butirato). Estas substâncias fazem com que o interior do intestino fique mais ácido, tornando a sobrevivência de agentes infecciosos mais difícil. Especificamente o butirato atua mantendo a saúde de células do intestino, regulando o sistema imune (efeito anti-inflamatório), diminuindo efeito oxidativo intestinal, coordenando a motilidade intestinal, melhorando sensibilidade da parede deste órgão, restabelecendo a barreira intestinal, acelerando reparação das células intestinais lesadas além de aumentar a absorção de água e sais minerais, o que melhora sobremaneira o tratamento da desidratação e do desiquilíbrio de sódio, potássio, magnésio, etc.. 

Outro fator importante relacionado com os efeitos benéficos dos probióticos é a capacidade destes microrganismos de produzir substâncias conhecidas como bacteriocinas, que têm a reuterina produzida pelo Lactobacillus reuteri como exemplo clássico. Esta substância exerce seu efeito de várias maneiras: facilitando a ação dos probióticos, exercendo efeito imunomodulador e também como um verdadeiro antibiótico natural, destruindo agentes infecciosos.

Uma complicação comum da diarreia é o surgimento de intolerância a lactose secundária. Bactérias como o L. reuteri, podem corrigir este problema através da produção de beta-galactosidase (uma lactase) justamente a enzima que falta nos casos de intolerância.

Assim, o uso de probióticos é capaz de reduzir o número de dejeções, aumentar a consistência fecal, diminuir os dias de febre, vômitos e inclusive dias de internação.

Os probióticos entretanto não são iguais, seus efeitos variam de cepa para cepa. Assim, a Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátricas (ESPGHAN), baseada na literatura existente até o momento, recomenda somente três cepas probióticas para uso em diarreia aguda. Entre elas está o Lactobacillus reuteri DSM 17938.

Esta cepa é sem dúvida uma das mais bem estudadas dentro da gastroenterologia.  São várias as pesquisas de boa qualidade conduzidos com esta cepa que confirmam sua eficácia no tratamento da diarreia. Shomikowa e Eom, estudaram mais de 100 crianças com diarreia aguda e puderam comprovar o efeito do L. reuteri DSM 17938 em controlar diarreia aguda em crianças. Estudos de destaque foram conduzidos por Francavilla e Dinleyici, que avaliaram esta cepa em crianças hospitalizadas por diarreia aguda e, portanto, bem mais graves, com resultados bastante convincentes a favor do probiótico.

Esta cepa também foi estudada como estratégia para prevenir diarreia aguda em grupos de risco para tal, como por exemplo em creches. Aqui, estudo do Dr. Gutiérrez-Castrellón, que envolveu mais de 300 pacientes, pôde comprovar esta afirmação, além de mostrar também efeito protetor sobre infecções respiratórias, culminando ainda com redução substancial da necessidade do uso de antibióticos. Weizman obteve resultados semelhantes também na prevenção de quadros diarreicos.

A diarreia associada a antibióticos consiste na principal indicação para uso de probióticos entre os médicos americanos. O uso destas bactérias nesta situação clínica também foi estudado com resultados muito bons. Cimperman mostrou redução de mais de 90% no risco de diarreia em crianças que receberam antibiótico e L. reuteri DSM 17938.

Esta cepa também foi estudada em diarreia associada à quimioterapia e em pacientes infectados pelo HIV e mesmo em crianças com doença inflamatória intestinal (retocolite ulcerativa).

Podemos assim concluir, que a diarreia aguda infecciosa, consiste em patologia bastante frequente, ainda acompanhada de morbiletalidade não desprezível, especialmente na população pediátrica, idosos e imunocomprometidos.

O uso de probióticos consiste em estratégia lógica para prevenir e tratar os quadros diarreicos. Dentre as cepas mais estudadas na literatura, destacamos o L. reuteri DSM 17938 uma das poucas cepas com comprovação científica de sua eficácia e, portanto, recomendadas pelo ESPGHAN.

Fonte: Dr. Ricardo C. Barbuti – CRM-SP 66103

Médico Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia do HCFMUSP

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