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O impacto da privação de afeto e seus efeitos na aprendizagem infantil

Tempo de Leitura: 6 minutos
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Nos primeiros seis anos de vida, o cérebro da criança passa por um período crucial de desenvolvimento, durante o qual o afeto desempenha um papel essencial. Nessa fase, as interações carinhosas e o cuidado afetuoso contribuem diretamente para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança. A privação de afeto durante a infância pode, portanto, ter impactos profundos no desenvolvimento cerebral e emocional, gerando dificuldades na formação de vínculos seguros.

Durante a primeira infância, o cérebro está em um estágio de desenvolvimento acelerado. As conexões entre neurônios, chamadas de sinapses, são formadas e fortalecidas com base nas experiências vivenciadas no ambiente familiar. O afeto e o cuidado consistentes dos adultos são elementos essenciais para que esse desenvolvimento ocorra de maneira saudável. Quando uma criança é privada de afeto, uma série de consequências graves pode ocorrer no desenvolvimento cerebral, afetando tanto a estrutura física quanto o funcionamento emocional e cognitivo, o que impacta diretamente a aprendizagem.

Os principais efeitos no cérebro infantil decorrentes da privação de afeto incluem:

  1. Aumento dos níveis de estresse: A privação de afeto está diretamente ligada ao aumento do estresse na criança. A exposição prolongada ao estresse, sem o devido carinho, leva à produção excessiva de cortisol, o hormônio do estresse. Em altos níveis, o cortisol pode ser tóxico para o cérebro em desenvolvimento, especialmente para o hipocampo, que é essencial para a memória e o aprendizado. Esse excesso pode prejudicar a retenção de informações, afetando a aprendizagem a longo prazo.
  2. Impacto no sistema límbico: O sistema límbico, responsável pelas emoções e pela formação de vínculos afetivos, é fortemente impactado pela ausência de carinho. A amígdala, que regula as respostas emocionais, tende a ser mais ativada em crianças privadas de afeto, resultando em um estado de alerta constante e respostas exageradas ao medo e à ansiedade. Isso pode dificultar o foco nas atividades escolares e comprometer o desempenho acadêmico.
  3. Déficits na plasticidade cerebral: O cérebro da criança, durante a primeira infância, é altamente maleável devido à plasticidade cerebral. Ele é moldado pela qualidade das interações com os cuidadores. A falta de afeto físico e emocional pode afetar áreas de sinapses relacionadas à emoção, aprendizado e socialização, resultando em dificuldades na regulação emocional, na capacidade de formar relações de confiança e no desenvolvimento cognitivo.
  4. Dificuldades no controle de impulsos: A falta de afeto também prejudica o desenvolvimento da parte frontal do cérebro, responsável pelo planejamento, tomada de decisões e controle de impulsos. Crianças que vivenciam essa privação podem ter dificuldades em desenvolver autocontrole e gerenciar comportamentos, tornando-se mais impulsivas ou retraídas, o que pode ser confundido com problemas de aprendizagem. É essencial uma investigação cuidadosa antes de diagnosticar, para tratar a causa e não a consequência.
  5. Redução da produção de oxitocina: A oxitocina, conhecida como o “hormônio do amor”, é fundamental para a formação de vínculos afetivos e para o bem-estar emocional. O contato físico afetuoso estimula a produção desse hormônio, promovendo segurança e confiança. A privação de afeto pode reduzir a produção de oxitocina, prejudicando a capacidade da criança de estabelecer laços afetivos saudáveis no futuro.
  6. Diminuição no volume cerebral: Estudos em crianças que passaram por situações de negligência extrema mostraram que a privação de afeto pode até mesmo resultar em uma diminuição no volume do cérebro. Regiões importantes, como o córtex, que é responsável por funções cognitivas superiores, podem ser menos desenvolvidas, o que impacta a capacidade de aprendizado, a memória e a resolução de problemas.

O impacto da privação de afeto na aprendizagem vai além dos efeitos cerebrais. As crianças pequenas buscam interações sociais, primeiro no ambiente familiar e, posteriormente, na escola. Elas se moldam a partir das expressões faciais e gestos dos adultos cuidadores. Quando essa troca não ocorre de forma adequada, a criança pode não desenvolver uma percepção clara de suas interações sociais, o que afeta seu desempenho escolar e suas habilidades emocionais.

A falta de validação emocional por parte dos adultos pode fazer com que a criança se sinta insegura, o que compromete sua motivação para interagir de forma confiante com o ambiente. Como resultado, podem surgir dificuldades de aprendizagem, problemas para formar relacionamentos saudáveis, baixa autoestima, dificuldade de comunicação, e transtornos emocionais, como ansiedade e depressão.

Resgatar essa relação entre pais e filhos pode ser um processo demorado, mas é possível com ajuda terapêutica. É necessário haver mudanças na forma como os pais dialogam, escutam, lidam com comportamentos, estruturam a rotina e interagem com a criança.

Além das mudanças no ambiente familiar, o brincar pode ser um grande aliado nesse processo de construção da autoimagem da criança. Nesse sentido, cabe à escola ajudar a criança a lidar com o seu corpo, sua expressão, controlar os movimentos corporais, compreender regras para contornar comportamentos e ajudá-la a resolver problemas. O corpo funciona como parte essencial para que a criança aprenda a regular suas emoções, e é função do adulto mediar os possíveis conflitos. Esse suporte, que pode ser terapêutico, contribui para a construção da sua autoimagem e fará toda a diferença no seu processo de aprendizagem e convivência social.

Assim, quando a criança fortalece sua autoestima e autonomia durante a brincadeira, ela começa a descobrir seu potencial, percebe mais o mundo ao seu redor, fica mais atenta ao seu entorno e aprende a lidar com frustrações, regulando seu comportamento motor e gestual. Dessa forma, quando a criança é capaz de integrar informações sensoriais e motoras, isso auxilia muito no controle emocional.

Por fim, a presença de um cuidador emocionalmente disponível e estável ativa os circuitos de segurança e calma no cérebro da criança. Ao validar as emoções de um filho, mostramos a ele que seus sentimentos são importantes. Com isso, ele se expressará sem medo, o que trará equilíbrio emocional para lidar com o mundo ao seu redor.

Evelyn de Paula Pereira
Estudiosa sobre assuntos diversos que compõem o desenvolvimento psicomotor infantil, comportamento e parentalidade. Formada em Educação física. Especialização em Psicomotricidade Clínica/ Educacional. Coautora do livro “Psicomotricidade: da gestação à melhor idade”. Fazendo curso de formação em neurociência do desenvolvimento infantil.@evelyn.corpoematividade
evelyn.corpoematividade@gmail.com.br
Blog: www.corpoematividade.com.br
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