A pergunta que remete à origem dos bebês costuma ser formulada pelas crianças por volta dos 3–4 anos de idade, a partir de um interesse prático, e não teórico. Prático, porque ela percebe por fotos, histórias, relatos, que um dia ela “morou” numa barriga; observa mulheres grávidas e, por vezes, pode acompanhá-las no pós-parto, sem a barriga e com um bebê no colo; tem notícias do nascimento de bebês e animais, mesmo que por histórias contadas.
Suas observações diante de fatos como estes se transformam em pensamentos que tentam desvendar alguns enigmas: Como será que o bebê foi parar dentro da barriga? Onde ele estava antes de estar lá? Como será que ele saiu de lá? E comigo, como foi? Tais pensamentos fundam as teorias sexuais infantis (apontadas por Sigmund Freud nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905), numa tentativa de as crianças explicarem para si mesmas a gênese dos bebês.
Num primeiro momento, as hipóteses infantis sobre a origem dos bebês acontecem de modo solitário – é a criança, com ela mesma, que tenta juntar as “peças do quebra-cabeça”. Num segundo momento, quando (e se) a criança encontra em seu ambiente espaço para verbalizar suas investigações, ela passa a compartilhá-las na forma de pergunta ou afirmação, o que a permite checar suas hipóteses e tecer novas indagações.
Entre as teorizações mais comuns em relação à origem dos bebês, estão que eles são adquiridos pela comida ou sementes (como é retratado no livro Tem uma semente na barriga da mamãe, de Christiane Gribel) e que eles nascem pelo corte no ventre, pelo umbigo ou pelo intestino (como as fezes).
Por mais que as teorias sexuais infantis revelem certa compreensão dos processos sexuais, e por mais que ofereçamos informações claras e verdadeiras sobre a origem dos bebês, a compreensão objetiva desse processo só se torna completamente possível a partir da maturação sexual ocorrida na adolescência (ou antes, quando existe violência de natureza sexual).
Diante do que é objetivamente informado e daquilo que é imaginado pela criança, o que costuma prevalecer em nível consciente é a informação recebida. Daí a importância de que as respostas a ela fornecidas sejam claras e verdadeiras, passíveis de serem checadas através de se sua própria observação – por exemplo, a criança constata que dos repolhos não nascem bebês e que das poucas cegonhas que viu um dia (se viu) nenhuma carregava pacotinho pendurado no longo bico.
O que foi imaginado (ou parte dele) fica esquecido, podendo retornar mais tarde em situações nas quais a questão da origem dos bebês reaparece, como acontece, por exemplo, com muitas gestantes que, mesmo sabendo que o bebê nasce por via vaginal, temem que o bebê nasça ao fazerem força na evacuação, como se vagina e ânus fossem um único canal (teoria sexual infantil de que os bebês nascem como as fezes) ou apavoram-se com seus vômitos pela simples e estranha ideia de que o bebê pode “sair pela boca” (outra possível teoria sexual infantil).
A criança que presencia a relação sexual comumente a associa a maus tratos, como tão bem retrata Anna Muylaert em seu curta-metragem A origem dos bebês segundo Kiki Cavalcanti.
Se as crianças tecem suas próprias teorias sobre a origem dos bebês, se a compreensão dos processos sexuais só é obtida em sua totalidade com a maturação sexual, e se o que a criança busca não é uma resposta teórica sobre a gênese dos bebês, o que será que ela quer saber quando pergunta de diversas maneiras “De onde eu vim”?
As primeiras perguntas formuladas pelas crianças não buscam apenas resposta sobre como se dá a concepção e o nascimento, embora seja assim que elas se apresentam, e assim que elas são respondidas. No entanto, o que a criança quer prioritariamente saber é a origem do desejo da mãe e/ou do pai por ela.
Do ponto de vista psíquico a origem dos bebês é sempre anterior à concepção ou à adoção; ela remete às mais remotas ideias do que é ser mãe e pai para cada um e às próprias experiências pessoais enquanto filhos. É aí que o começo se esconde. É aí que a dúvida sobre o que falar e como falar sobre o tema com as crianças ancora.
O que falar e como falar sobre a origem dos bebês vai depender sempre da pergunta da criança, da história dela e da história do adulto a quem a pergunta foi destinada. Desse modo, mais interessante do que se antecipar dando uma resposta cheia de explicações, é investigar um pouco mais com a criança sobre a teoria por ela criada – por exemplo, devolvendo uma pergunta como: “Então é assim que você imagina que acontece?” ou “Onde você ouviu essa informação?”.
Quanto mais chances damos para a criança falar sobre o que ela está imaginando, mais perto chegamos da resposta que ela quer e precisa ter para seguir em suas investigações, diminuindo, inclusive, a possibilidade de respostas atravessadas pelo universo adulto, as quais a criança muitas vezes ainda não consegue processar.
Conteúdo autorizado para reprodução na Revista Materlife com a fonte retida pelo publicador.
Divulgado por: Patrícia Leekninh Paione Grinfeld Psicóloga (CRP 06/50829)
Formada pela PUC-SP. Idealizadora e cofundadora do Ninguém Cresce Sozinho. Foi técnica do Programa Palavra de Bebê do Instituto Fazendo História e auxiliar voluntária do Aprimoramento Clínico Institucional em Psicoterapia de Casal e Família na Clínica Psicológica da PUC-SP. Cursa especialização em Psicologia Perinatal e Parental pelo Instituto Brasileiro de Psicologia Perinatal e Parental Gerar. Atende em consultório na cidade de São Paulo (Perdizes) e pelo site Rodas Ninguém Cresce Sozinho – www.ninguemcrescesozinho.com.br