A separação dos pais é uma das experiências mais impactantes na vida de uma criança. Mais do que uma mudança na dinâmica familiar, esse processo pode abalar profundamente sua sensação de segurança, previsibilidade e estabilidade emocional — e o sono, muitas vezes, é um dos primeiros aspectos a refletir essa instabilidade.
O momento de dormir vai além de um simples ato físico: é um espaço de recolhimento que espelha o estado emocional da criança e o ambiente em que ela está inserida.
Crianças que vivem entre dois lares precisam ainda mais de estrutura e apoio para conseguirem descansar com tranquilidade. Quando há falta de consistência nos horários, nos rituais ou na forma de acolhimento oferecida por cada responsável, o sono pode se tornar um desafio — especialmente nos dias de transição entre as casas.
Dormir bem não depende apenas de conforto físico, mas também de vínculo, previsibilidade e afeto estável.
Os pais precisam estar atentos para identificar se as alterações no sono da criança podem indicar um transtorno do sono ou se estão relacionadas a fatores emocionais — como o impacto da separação dos pais, à personalidade da criança, a eventos pontuais ou a hábitos inadequados na rotina e na higiene do sono. Compreender o que está por trás dessas dificuldades é essencial para apoiar a criança no processo de adormecer e na manutenção de um sono noturno saudável e restaurador.
Acolher a criança quando ela acorda chorando ou assustada é sempre importante. No entanto, também é fundamental que ela aprenda, gradualmente, a voltar a dormir sozinha — e esse processo pode começar ainda nos primeiros meses de vida.
Estratégias para promover um sono tranquilo das crianças nos dois lares:
- Rotina semelhante em ambos os lares
A ausência de uma rotina consistente pode comprometer o bem-estar emocional das crianças e impactar negativamente a qualidade do sono. Estabelecer uma boa higiene do sono — com horários regulares e rituais tranquilos, como o banho, a leitura e o momento de ir para a cama — oferecem à criança previsibilidade e segurança emocional. Além disso, esses hábitos favorecem o alinhamento do ritmo circadiano, contribuindo para um sono mais estável, profundo e restaurador.
Criar um espaço fixo para dormir, com objetos familiares como travesseiro, cobertor ou bichinho de pelúcia preferido, também reforça a sensação de pertencimento. Essa estratégia é especialmente importante em contextos de guarda compartilhada, pois ajuda a criança a se sentir acolhida e segura em ambos os lares.
- Validação emocional com limite
Medo, saudade e confusão são esperados. Acolher esses sentimentos, sem ceder a todas as demandas, ajuda a manter a segurança interna da criança. Frases como “Entendo que você está com saudade, mas agora é hora de dormir na sua cama” podem ser eficazes.
- Diálogo entre os pais
Mesmo com rotinas diferentes, a comunicação entre os cuidadores precisa ser ativa e cooperativa. Trocar informações sobre o comportamento noturno da criança permite ajustes mais coerentes entre os lares.
- Transição suave entre casas
Evite alterações bruscas de rotina nos dias de troca. Antecipe a mudança com conversa e mantenha os rituais de sono para garantir continuidade.
- Atenção a regressões
Algumas crianças podem voltar a pedir para dormir com os pais ou ter mais medo do escuro. Isso é esperado, mas exige um manejo firme e carinhoso, que reforce a autoconfiança sem negligenciar o cuidado.
- Evite reforçadores negativos
Associações como dormir com tela ligada, comer antes de dormir ou depender da presença constante dos pais podem dificultar a autonomia e o sono reparador.
- Busque apoio profissional quando necessário
Se os distúrbios persistirem e impactarem o dia a dia da criança, psicólogos, pediatras ou especialistas em sono infantil podem ajudar com orientação técnica e emocional.
Atravessar a separação dos pais pode ser menos doloroso quando a criança encontra, em ambas as casas, a segurança de que continua sendo amada e acolhida. E poucas coisas transmitem mais cuidado do que oferecer um sono protegido, previsível e afetuoso.
Com presença, escuta, rotina e limites claros, é possível garantir que, mesmo com dois tetos, a criança tenha um só lar em afeto e estabilidade emocional.
Quando os adultos constroem pontes em vez de muros, o sono — e o coração — da criança descansam em paz.

Psicóloga clínica e perinatal. Psicóloga do sono e especialista em transtornos de humor. Colaboradora do GRUDA (Programa de Transtornos afetivos do IPQ/ HC/ FMUSP).
Email: cyboscovich@gmail.com
Tel. 11 5549-1021/11 99687-9087