Em 1954, Wessel definiu a cólica do lactente como episódios de irritabilidade, agitação ou choro intenso por pelo menos três horas, em três dias da semana e com duração superior a três semanas (“regra dos 3“). Do ponto de vista prático, aceita-se que se estabeleça o diagnóstico antes mesmo que as manifestações atinjam duração de 3 semanas. Em geral, desaparece por volta dos quatro meses de vida. Além do sofrimento do lactente, ocasiona muita ansiedade nos pais e pode reduzir a qualidade de vida da família. A prevalência da cólica é variável nos diferentes inquéritos da literatura (entre 6% e 30%). Entretanto, uma taxa maior de lactentes apresenta cólica segundo a percepção de suas mães.
Deve ser lembrado que o choro pode ocorrer em lactentes normais e pode indicar diferentes necessidades como, por exemplo, fome, calor e frio. O choro faz parte do desenvolvimento neurocomportamental. A duração diária de choro expresso pela somatória do tempo em que está presente apresenta pico na sexta semana de vida (cerca de 2,0 a 2,8 horas/dia) e diminui para 1,0 hora em torno dos três meses de idade. Ocorre preferencialmente no final da tarde.
EXISTE RELAÇÃO ENTRE CÓLICA DO LACTENTE E O TIPO DE ALIMENTAÇÃO?
A(s) causa (s) da cólica do lactente não está plenamente esclarecida. Discute-se a participação conjunta de vários fatores, entre os quais, o ambiente, incluindo o status biopsicossocial da família, imaturidade do sistema nervoso central, intolerância à lactose, anormalidades em hormônios gastrintestinais, alteração da motilidade e na colonização do intestino. Algumas situações associam-se com maior risco de choro excessivo no lactente: 1. Ansiedade durante a gravidez; 2. Pais com ansiedade, depressão ou outros problemas psicológicos; 3. Pais adolescentes; 4. Pais desempregados ou com problemas financeiros; 5. Prematuros e pequenos para a idade gestacional.
Com relação à alimentação, a cólica do lactente pode ocorrer tanto em crianças que recebem leite materno como única fonte de alimento ou naquelas que são alimentadas com mamadeiras e fórmulas infantis. Estudo realizado no Brasil mostrou que crianças que não recebem leite materno tem quase o dobro de risco de apresentar cólica do lactente.
Na prática, constata-se que a cólica do lactente pode ser o motivo de inúmeras e injustificadas trocas nos tipos de fórmulas lácteas oferecidas ao lactente. Nunca deve ser interrompido o aleitamento natural exclusivo para reduzir as cólicas. Para os lactentes que já não recebem aleitamento natural pode-se afirmar: 1. fórmula de soja não é eficaz; 2. fórmulas para crianças com alergia ao leite de vaca estão indicadas apenas para os pacientes com esta doença, que não é causa frequente de alergia ao leite de vaca; 3. Redução parcial dos sintomas pode ocorrer quando se utiliza fórmulas para lactentes com hidrólise parcial das proteínas e menor teor de lactose. Não se sabe exatamente qual o mecanismo pelo qual se observa este efeito.
Algumas crianças podem melhorar quando a mãe que amamenta deixa de consumir alimentos com proteínas do leite de vaca (leite, derivados do leite, alimentos preparados com leite).
O QUE ALIVIA OS SINTOMAS DOS LACTENTES?
Pode-se dizer que alguns princípios podem contribuir na orientação de todas as famílias de pacientes com cólica do lactente:
- Os pais devem receber educação, apoio e tranquilização pelo pediatra.
- Recomendação para que não tenham atitudes perigosas que potencialmente possam ser causadoras de lesões na criança, como aquelas ocasionadas por sacudir ou outro tipo de ação que possa ocasionar agressão ao lactente.
- Os pais devem contar com disponibilidade dos serviços de assistência à saúde o que proporciona maior segurança no desempenho de suas responsabilidades com o lactente;
- O lactente deve ser avaliado pelo pediatra para descartar a possibilidade de outra causa de choro.
- Desaconselhar mudanças na alimentação do lactente, principalmente, interrupção do aleitamento natural exclusivo. Seguir sempre a orientação do pediatra.
Algumas medidas usadas com frequência como remédios para reduzir gases não tem eficácia comprovada. Muitas vezes considera-se que a doença do refluxo gastroesofágico possa ser causa de choro no lactente, no entanto, observa-se em vários países do mundo uso injustificado de medicamentos para o tratamento do refluxo gastroesofágico que podem ocasionar eventos adversos.
Existem, também, várias outras propostas que não têm padronização ou eficácia comprovada (por exemplo, massagem, treinamento da família com vídeos para educação e redução do estresse dos pais, carregar continuamente o lactente, entre outros).
Nos últimos anos surgiram evidências a partir de ensaios clínicos que demonstraram a eficácia do probiótico Lactobacillus reuteri DSM 17938.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA CÓLICA DO LACTENTE
Há alguns anos o probiótico Lactobacillus reuteri DSM 17938 vem sendo utilizado no tratamento da cólica do lactente. Ensaios clínicos mostraram que lactentes tratados com este probiótico, em relação ao placebo, apresentam redução mais expressiva da duração diária do choro, sendo a diferença estatisticamente significante.
Deve ser destacado que, originalmente, o Lactobacillus reuteri foi cultivado em amostras de leite humano de mulheres que viviam na Cordilheira dos Andes em localidades onde mantinham pleno contato com a natureza. Apresenta o grande diferencial de poder ser administrado em gotas enquanto que outros veículos, como comprimidos, leite desnatado e iogurtes, não são apropriados para lactentes.
Uma possível explicação para a ação do Lactobacillus reuteri DSM 17938 no controle da cólica é controlar o efeito da microbiota intestinal na produção de gases e na motilidade intestinal. Neste contexto, constatou-se que lactentes com choro excessivo apresentam composição de microbiota intestinal diferente dos lactentes normais. Este padrão distinto é observado previamente ao aparecimento da cólica e desaparece por volta dos 4 meses, quando a cólica dos lactentes também desaparece. Os autores desta pesquisa discutem que seus resultados sugerem que os lactentes com cólica apresentam o desenvolvimento da microbiota intestinal atrasado e anormal. Discutem, ainda, que estas anormalidades podem ser indicativas e explanatórias do efeito favorável do uso de probióticos no tratamento da cólica do lactente.
O papel do Lactobacillus reuteri DSM 17938 na prevenção da cólica, constipação e regurgitação no lactente foi explorado em estudo realizado na Itália. Recém-nascidos utilizaram este probiótico desde a primeira semana de vida durante 90 dias. Aos 3 meses de vida os lactentes apresentaram menor duração média de choro, menor número de regurgitações por dia e maior frequência de evacuações. A estimativa de gastos mostrou que o grupo que recebeu Lactobacillus reuteri, em relação ao placebo, apresentou economia média de 88 euros para a família e mais 104 euros para o sistema de saúde.
Em conclusão, a cólica do lactente apresenta elevada prevalência e causa não somente sofrimento para a criança como também repercute negativamente na qualidade de vida e no bem-estar da família. Associa-se com ansiedade e depressão nos pais. Existem várias propostas terapêuticas, todas com ausência de resultados ou com eficácia limitada. A utilização do Lactobacillus reuteri DSM 17938, em gotas, constitui uma importante alternativa terapêutica a ser utilizada em conjunto com as orientações sobre a evolução do choro e medidas de suporte. Uma nova perspectiva descrita recentemente é o emprego do Lactobacillus reuteri DSM 17938 na prevenção de sintomas gastrintestinais frequentes no primeiro semestre de vida, como cólica do lactente, regurgitação e constipação intestinal.
Mauro Batista de Morais (CRM-SP: 32257)
Professor associado, livre-docente da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica e Chefe do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo