Dr. Ricardo C. Barbuti
Médico Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia do HCFMUSP
Introdução
A constipação intestinal ou prisão de ventre constitui afecção altamente prevalente, cuja definição pode ser baseada em sintomas, medidas objetivas ou em ambas(1).
Objetivamente, constipação intestinal pode ser definida quando se evacua menos que 3 vezes por semana. Considerando-se os sintomas fala-se em constipação independentemente do ritmo evacuatório, bastando ao paciente apresentar sensação de evacuação incompleta, aumento da consistência fecal, necessidade de grande esforço às dejeções e utilização de manobras digitais(2, 3).
Esta afecção acomete indivíduos em qualquer fase da vida desde o lactente até o idoso(4).
Durante a gravidez a constipação aparece como problema altamente relevante e prevalente, perdendo em frequência em gastroenterologia somente para a presença de náuseas (5). Cerca de 40% das grávidas irão apresentar este problema em algum momento da gestação(6). Mulheres podem apresentar esta afecção pela primeira vez durante a gravidez, contudo, as que já são constipadas previamente tendem a piorar na gestação(5).
Existem evidências de que o esforço evacuatório pode provocar dano permanente ao nervo pudendo, ocasionando mau funcionamento da musculatura perineal, além de poder provocar prolapso útero-vaginal(7).
Os motivos pelos quais as grávidas apresentam este problema são variados (Tabela 1).
Mulheres constipadas no início da gestação, tem este sinal normalmente associado a causas hormonais. Fatores mecânicos parecem ser mais relevantes no terceiro trimestre. O aumento de produção de progesterona pode levar a hipomotilidade tanto do intestino delgado quanto do grosso, processo mais usual durante o segundo e o terceiro trimestre(5).
Outro hormônio que também pode colaborar para a constipação nesta fase é a relaxina, que tem como função primordial inibir a contração da musculatura uterina durante a gestação. Contudo, sua ação também parece ocorrer sobre a musculatura lisa intestinal(5, 8).
A absorção de água pelo intestino durante a gravidez parece ser maior em grávidas do que em não-grávidas, endurecendo as fezes. A aldosterona, outro hormônio, seria a responsável por este comportamento especialmente durante o segundo trimestre(5).
Contrações combinadas da musculatura uterina e do intestino grosso durante a gravidez podem dificultar a movimentação fecal no cólon esquerdo e levar a constipação (9).
Fatores dietéticos também podem colaborar na fisiopatologia da constipação de grávidas e puérperas. É bastante comum consumo de fibras e água insuficientes. O consumo de ferro também pode interferir sobre o trânsito intestinal, ora alentecendo-o, ora acelerando-o(5).
A atividade física, desde que não intensa, durante a gestação parece estar diretamente relacionada com melhora do hábito intestinal(10). Esta variável constitui-se também de suma importância no período pós parto.
Diagnóstico
A constipação crônica tem seu diagnóstico meramente clínico. Especialmente em gestantes onde o uso de exames radiológicos deve ser reduzido. Assim, exames como trânsito colônico e a defecografia, não devem ser realizados devido a radiação. Nos casos mais graves o exame monométrico anorretal com teste de expulsão de balão pode ajudar na investigação de causas perineais.
Tratamento
Medicamentoso:
Os laxativos constituem os fármacos mais prescritos, são classificados em quatro grupos principais: agentes formadores de massa, agentes diminuidores da consistência fecal, laxativos estimulantes e agentes osmóticos (13). Em grávidas e puérperas o cuidado com a escolha da melhor opção deve ser redobrado, devido a eventuais efeitos adversos sobre a mãe e a criança.
- derivados das antraquinonas podem causar cólicas e diarreia. O fosfato de sódio e o citrato de magnésio, levam a retenção materna de sódio. Óleos minerais podem afetar a absorção de vitaminas lipossolúveis. O sene é excretado pelo leite materno (5).
- Osmóticos: como a lactulose, lactitol e macrogol são considerados seguros.
- Formadores de massa aumentam o bolo fecal, o que distende o cólon e estimulam sua peristalse (fibras insolúveis), ou formando gel que exerce efeito osmótico atraindo água par a luz intestinal (fibras solúveis). Como são agentes adsorventes de água, é imprescindível que o paciente ingira água em conjunto. A posologia é variada de acordo com o agente utilizado(11, 12).
- Emulsificadores: dentre estes medicamentos a glicerina são muito utilizados durante a gravidez de forma segura, porém com eficácia limitada(12).
Não-medicamentoso:
Esta normalmente é a opção de escolha entre grávidas. Deve-se estimular ingesta de líquidos, exercícios físicos, alteração dietética (necessidade de ingestão de fibras) e estabelecimento de hábito evacuatório em horário específico e se necessário, uso apropriado de laxativos. O uso correto da musculatura abdominal e pélvica pode ser ensinado, do mesmo modo deve-se reforçar a necessidade de não se reprimir a vontade evacuatória(12).
O “biofeed-back”, um tipo de fisioterapia evacuatória, consiste em treinamento de como evacuar, através do uso correto das musculaturas abdominal e pélvica e do relaxamento do esfíncter anal(13). Técnicas psicoterápicas também podem ser utilizadas(11).
E os probióticos?
Nos últimos anos o uso de probióticos tem sido bastante difundido, constituindo opção segura e de baixo custo.
Nós contamos com grande número de microrganismos que habitam as áreas de nosso organismo expostas ao meio ambiente, como a pele, sistema gênito-urinário e respiratório e principalmente nosso intestino. Para uma vida saudável é necessário equilíbrio entre bactérias boas, bactérias ruins e nosso sistema imunológico.
Havendo aumento de bactérias ruins, diminuição das boas ou inadequada função do sistema imunológico, cria-se um regime de desiquilíbrio chamado de disbiose, que pode estar associada a uma gama enorme de patologias intestinais e extra intestinais como intestino irritável, gastrite, obesidade, diabetes, alergias, distúrbios psicológicos, diarreia e, nosso tema, a constipação intestinal. Assim sendo, uma opção lógica para o tratamento da prisão de ventre consiste em restabelecer o “exército do bem” através do uso de probióticos, que por sua vez são definidos pela Organização Mundial de Saúde como “organismos vivos, que quando fornecidos em quantidades adequadas, são benéficos para nossa saúde”.
Entretanto, os efeitos obtidos com diferentes tipos de probióticos não podem ser generalizados, já que cada cepa apresenta características próprias. Assim, somos todos do mesmo gênero, Homo e da mesma espécie, sapiens, porém apresentamos características completamente diferentes uns dos outros. Do mesmo modo, quando utilizamos um probiótico devemos saber não só o gênero e a espécie, mas também qual a sua cepa específica. Existe um bom número de Lactobacillus reuteri (L. reuteri) mas apenas um L. reuteri DSM 17938. Ao fornecer um probiótico devemos, ter certeza de sua origem, segurança, da quantidade de microorganismos presentes na dose proposta, resistência a passagem pelo estômago e intestino delgado, de tal modo que as bactérias estejam vivas e em quantidades adequadas no seu sítio de ação, o intestino.
Um dos probióticos mais estudados em gastrenterologia é o L. reuteri DSM17938. Este microrganismo foi isolado de leite materno de mães peruanas e vem sendo extensamente estudado, tornando-se bastante conhecido quanto aos seus benefícios e principalmente quanto a sua segurança, fator de suma importância especialmente em grávidas. Probióticos utilizados durante a gestação não interferem na evolução da gravidez, não alteram o peso ao nascer e o que é mais importante, não estão relacionados com qualquer má formação fetal (14).
Os probióticos podem ser reconhecidos por células intestinais especiais, que por sua vez entram em íntimo contato com terminações nervosas, que transmitem esta informação para nosso cérebro, que então responde alterando a secreção de grande número de hormônios, gasto de energia, fome, saciedade e o que é de nosso interesse, as contrações e secreções intestinais. De tal modo que podemos utilizá-los tanto na constipação quanto na diarreia (15).
Ojetti e col. e analisaram a eficácia da suplementação com L reuteri DSM 17938 em adultos e puderam mostrar a eficácia deste tipo de suplementação, além de sua segurança. Coccurullo e col. puderam chegar a mesma conclusão, agora em crianças, confirmando a eficácia e principalmente segurança da suplementação com esta cepa específica(16).
Assim, podemos concluir que a constipação intestinal constitui problema bastante comum durante a gravidez e no pós-parto. As causas deste problema são bastante variadas. O tratamento consiste em orientações dietético comportamentais, uso de laxativos e mais recentemente probióticos. A suplementação com as chamadas bactérias do “bem”, especialmente com o L. reuteri DSM 17938, tem se mostrado segura e com bons resultados.
Tabela 1: causas de constipação na gravidez
Efeitos de hormônios sexuais sobres a motilidade gastrointestinal e musculatura lisa |
Fatores mecânicos |
Mudanças na absorção de água |
Fatores dietéticos |
Redução da atividade física |
Referências
1. Cook I, Talley N, Benninga M, Rao S, Scott S. Chronic constipation: overview and challenges. Neurogastroenterol Motil. 2009;21 Suppl 2:1-8.
2. Pare P, Ferrazzi S, Thompson W, Irvine E, Rance L. An epidemiological survey of constipation in canada: definitions, rates, demographics, and predictors of health care seeking. Am J Gastroenterol. 2001;96(11):3130-7.
3. Bouras E, Tangalos E. Chronic constipation in the elderly. Gastroenterol Clin North Am. 2009;38(3):463-80.
4. Everhart J, Ruhl C. Burden of digestive diseases in the United States part I: overall and upper gastrointestinal diseases. Gastroenterology. 2009;136(2):376-86.
5. Cullen G, O’Donoghue D. Constipation and pregnancy. Best Pract Res Clin Gastroenterol. 2007;21(5):807-18.
6. Anderson AS, Whichelow MJ. Constipation during pregnancy: dietary fibre intake and the effect of fibre supplementation. Hum Nutr Appl Nutr. 1985;39(3):202-7.
7. Spence-Jones C, Kamm MA, Henry MM, Hudson CN. Bowel dysfunction: a pathogenic factor in uterovaginal prolapse and urinary stress incontinence. Br J Obstet Gynaecol. 1994;101(2):147-52.
8. Bonapace ES, Fisher RS. Constipation and diarrhea in pregnancy. Gastroenterol Clin North Am. 1998;27(1):197-211.
9. Shafik A. Constipation–some provocative thoughts. J Clin Gastroenterol. 1991;13(3):259-67.
10. Derbyshire E, Davies J, Costarelli V, Dettmar P. Diet, physical inactivity and the prevalence of constipation throughout and after pregnancy. Matern Child Nutr. 2006;2(3):127-34.
11. Whitehead W, di Lorenzo C, Leroi A, Porrett T, Rao S. Conservative and behavioural management of constipation. Neurogastroenterol Motil. 2009;21 Suppl 2:55-61.
12. Shin GH, Toto EL, Schey R. Pregnancy and postpartum bowel changes: constipation and fecal incontinence. Am J Gastroenterol. 2015;110(4):521-9; quiz 30.
13. Chiarioni G, Salandini L, Whitehead W. Biofeedback benefits only patients with outlet dysfunction, not patients with isolated slow transit constipation. Gastroenterology. 2005;129(1):86-97.
14. Sanz Y. Gut microbiota and probiotics in maternal and infant health. Am J Clin Nutr. 2011;94(6 Suppl):2000S-5S.
15. Patel R, DuPont HL. New approaches for bacteriotherapy: prebiotics, new-generation probiotics, and synbiotics. Clin Infect Dis. 2015;60 Suppl 2:S108-21.
16. Coccorullo P, Strisciuglio C, Martinelli M, Miele E, Greco L, Staiano A. Lactobacillus reuteri (DSM 17938) in infants with functional chronic constipation: a double-blind, randomized, placebo-controlled study. J Pediatr. 2010;157(4):598-602.