Ela entrou em casa voando, como fazia quando estava mais apressada do que o habitual. Enquanto passava pela sala recolheu os brinquedos do filho, espalhados pelo tapete. Ajeitou as almofadas enquanto num sopro tirou o pó da estante. Em meio segundo estava na cozinha, lavando os copos deixados sobre a pia, enquanto ágil, colocava água pra ferver, na intenção de preparar algo rápido para o jantar.
Já no quarto, num clique ligou o computador, para verificar os e-mails, enquanto recolhia a toalha deixada pelo marido, encima da cama. Resmungou, enquanto arremessava a toalha que alcançou perfeitamente o cesto de roupas, no banheiro.
Passou feito um raio pelo quarto da filha, e viu sobre a escrivaninha a calça jeans que precisava ter a barra feita, voltou, fez a barra enquanto abria a porta dos fundos e alimentava o cãozinho da família. Totó era o único que parecia reconhecer seus esforços. Lavou, enxugou e encheu a vasilha de ração do pequeno beagle que ainda conseguiu ganhar uns afagos, antes de ver sua dona arremessar-se sobre a tábua de passar, empilhando uma sobre outra as peças de roupa de toda a família.
Como uma crupier distribuindo cartas numa mesa de cassino, descarta as pequenas pilhas formadas sobre as camas, na esperança de que cada um guardasse as suas, ainda que soubesse que se arrependeria mais tarde, preferia acreditar que assim o fariam. Ouviu o zumbido da chaleira avisando da fervura da água, por sorte tinha já cortado todos os legumes enquanto apagava sua caixa de spam lotada de ofertas de inutilidades e mensagens de origem duvidosa.
Checou a embalagem do espaguete. A massa ficaria pronta em cinco minutos. Preparou o timer para despertar. Tinha tempo suficiente pra terminar pequenas tarefas pendentes. Colocou a roupa suja na máquina de lavar, e ali mesmo na lavanderia se equipou do arsenal, pano, rodo e limpador instantâneo líquido, o mais prático do mercado, pois não podia perder tempo diluindo produtos. Passou cuidadosamente por toda a casa, levantando os móveis, zelando pelos cantos e frestas, nada ficou pra trás.
Tirou a roupa e no banho planejou sua noite, ainda faria as unhas antes da chegada da família. Talvez não, melhor seria fazer uma sobremesa. Vestida, penteada, passou um brilho nos lábios enquanto recolhia seu disfarce do chão. Nunca mais se preocuparia em lavá-lo às escondidas. Fora usado hoje pela última vez. Agora o colocava em um saco de lixo. Não seria nostálgica. Não haveria arrependimento.
O timer do fogão soou enquanto ela abria a garrafa de vinho, as travessas foram devidamente preenchidas, salada decorada, massa fumegante, casa cheirosa, faltava um detalhe. A família entra pela sala a tempo de sentir uma brisa vinda da janela da cozinha, a mãe colocava uma flor fresca, recém colhida, decorando a mesa posta para o jantar.
– Perfeito! – Disse em voz alta.
Correu até a pia e soprou sobre a gelatina ainda líquida, deixando-a pronta na geladeira. O sopro ainda garantiu a secagem final do esmalte, que brilhou nas unhas perfeitamente manicuradas. Enquanto todos lavavam as mãos, checou a correspondência trazida pelo marido, e abriu um pacote remetido a ela. Apanhou rapidamente o pingente de kriptonita, comprado clandestinamente pela internet. Liberta, pendurou-o no pescoço. Vida nova! De agora em diante seria apenas uma mulher comum. Ainda assim, como tantas outras, ainda seria uma super-mulher.