Diarreia é definida como a eliminação de três ou mais evacuações líquidas ou amolecidas no período de 24 horas. Existem muitas causas de diarreia, como as infecções intestinais, intoxicação alimentar, distúrbios funcionais do aparelho digestivo como a síndrome do intestino irritável, doenças que causam má absorção dos alimentos como a doença celíaca, doenças inflamatórias intestinais, entre outras. As infecções intestinais ocasionam a diarreia aguda, também denominada gastroenterocolite aguda. Se a diarreia aguda se prolonga por mais de duas semanas, em crianças com até 5 anos de idade, é denominada diarreia persistente.
A diarreia aguda na população pediátrica apresenta elevada incidência principalmente nos países subdesenvolvidos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde ocorrem anualmente cerca de 4,5 bilhões de episódios de diarreia, principalmente, na África e no sul da Ásia. O atual cenário é menos grave do que há duas décadas, considerando que neste período o número de óbitos anual por diarreia aguda em menores de 5 anos diminui de 5 milhões para 1,5 milhão. Parcela expressiva dos óbitos ocorrem quando a diarreia aguda já se transformou em diarreia persistente. No Brasil observou-se fenômeno semelhante. Desde a década de 1970 vem ocorrendo redução com maior velocidade da mortalidade infantil e consequentemente por diarreia aguda e desidratação. Neste período observou-se também que diminuiu a participação da diarreia aguda na composição da mortalidade em menores de cinco anos.
Estes avanços extraordinários são consequência da adoção, em vários países do mundo, da terapia de reidratação oral, principalmente, a partir da década de 1980. Melhoria nas condições ambientais no que se refere à ampliação da distribuição de água tratada e saneamento básico, assim como incremento na educação, também contribuíram para que se atingisse esse resultado. Mais recentemente a vacina contra o rotavirus também contribui no controle da diarreia.
A terapia de reidratação oral é realizada com solução contendo sódio e glicose. A presença destas duas substâncias em concentrações semelhantes proporciona maior absorção de água e eletrólitos pelo intestino. Além destes elementos, a solução de reidratação oral contém também citrato (que será transformado em bicarbonato) e potássio.
Outro ponto fundamental do tratamento é a alimentação. No passado, muitas crianças eram mantidas em jejum enquanto apresentavam diarreia. Esta conduta prejudicial provocava perda de peso e desnutrição e, também, diminuição dos movimentos peristálticos do intestino dificultando a eliminação dos agentes responsáveis pela infecção intestinal. Havia também predisposição para infecções se espalharem para o organismo a partir da luz intestinal, levando, muitas vezes, as crianças à morte. Assim, atualmente, ressalta-se a importância de manutenção da alimentação assegurando a oferta de alimentos para atender as necessidades energéticas. Apesar de não existirem evidências científicas, muitas pessoas (profissionais da área da saúde ou não) modificam os alimentos oferecidos no sentido de privilegiar a oferta de alimentos que potencialmente “prendem” o intestino. O importante é não restringir a quantidade de alimentos.
Assim, os pilares da terapia da diarreia aguda e persistente é a terapia de reidratação oral e manutenção da alimentação adequada às necessidades nutricionais. Soro intravenoso, em geral, só é necessário em casos mais graves de desidratação.
Como mencionado, estes procedimentos fundamentais, em muito contribuíram para reduzir o impacto negativo da diarreia por infecção do intestino na saúde.
Por outro lado, deve ser lembrado que a diarreia aguda continua sendo um problema prevalente na população pediátrica. Estima-se que na Europa as crianças apresentem entre um episódio de diarreia aguda a cada dois anos até dois episódios de diarreia aguda por ano.
A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que o soro de reidratação oral não reduz a duração da diarreia e o volume das perdas de líquidos nas fezes. Assim, há cerca de 10 anos a OMS recomendou a redução das quantidades de sais no soro de reidratação oral (que pode diminuir o volume das perdas intestinais) e a utilização de zinco que pode diminuir a duração da diarreia. Vale lembrar que em países desenvolvidos a terapêutica com zinco não é tão efetiva como em países pobres não-desenvolvidos.
Neste contexto, incluem-se os probióticos que podem reduzir a duração da diarreia quando administrados em conjunto com a terapia de reidratação oral e dieta adequada.
Probióticos foram definidos pela OMS como microorganismo vivos que, quando consumidos em quantidade adequada, proporcionam um efeito benéfico para a saúde do indivíduo. Vários efeitos benéficos vêm sendo demonstrados para determinados probióticos nas últimas duas décadas, período no qual aumentou extraordinariamente o interesse científico sobre o tema. Entretanto, deve ser destacado que o efeito benéfico pode ser variável desde a prevenção até no tratamento de uma doença já iniciada. Um ponto muito importante é o de que determinado efeito benéfico de um probiótico é vinculado apenas a sua cepa. Não pode ser extrapolado para outros probióticos. Ou seja, um probiótico pode ser bom para uma determinada doença, entretanto, não apresentar nenhum efeito em outra doença.
Na diarreia aguda, teoricamente, os mecanismos pelos quais os probióticos contribuem para a redução da sua duração são os seguintes: 1. diminuição do pH na luz do intestino, 2. competição com os agentes infecciosos pelos mesmos nutrientes no intestino, 3. estímulo do sistema imunológico para combater os agentes infecciosos, 4. competição por receptores de adesão na mucosa intestinal. 5. produção de substâncias antimicrobianas, como por exemplo, a reuterina.
Conforme mencionado, nos últimos anos foram realizados vários ensaios clínicos para aferir a eficácia de vários probióticos no tratamento da diarreia aguda. Especialistas que compões o Grupo de Trabalho para o emprego de Probióticos no Tratamento da Diarreia Aguda da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria (“ESPGHAN”) revisaram, em 2014, todos os estudos clínicos. Concluíram que, no momento, apenas alguns poucos probióticos podem ser considerados para o tratamento da diarreia aguda, associados ao tratamento convencional com a terapia de reidratação oral. Incluem-se neste grupo as seguintes cepas de probióticos: Lactobacillus rhamnosus GG, Lactobacillus acidophilus LB morto, Saccharomyces boulardii e Lactobacillus reuteri DSM 17938. Outro grupo de especialistas de países Ibero-latinoamericanos chegou a conclusão semelhante, ou seja, os seguintes probióticos tem eficácia clínica equivalente:Lactobacillus rhamnosus GG, Saccharomyces boulardii e Lactobacillus reuteri DSM 17938
Recentemente, o Lactobacillus reuteri DSM 17938 foi disponibilizado no mercado do Brasil.Ensaios clínicos realizados na Finlândia, Coreia e Itália demonstram sua eficácia reduzindo a duração total da diarreia em 24 horas, com aumento no número de pacientes curados no segundo e terceiro dia de tratamento em relação ao placebo. O Lactobacillus reuteri foi isolado originalmente de amostras de leite humano obtidos na região dos Andes do Peru. Vale lembrar, que na época, considerou-se importante procurar um probiótico em uma população que vivesse em harmonia com a natureza, incluindo estilo de vida e hábitos de alimentação saudáveis. Considerou-se que estes princípios preservassem a simbiose entre o probiótico e o organismo humano. Em conclusão, pode-se afirmar que poucas cepas de probióticos podem ser incorporadas como complementos ao tratamento convencional da diarreia aguda.
Dr. Ricardo C. Barbuti
CRM-SP 66103
Médico Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia do HCFMUSP