Muita coisa tem mudado em nossa avaliação médica e nutricional das gestantes. Mas um tema especialmente novo foi revelado através de um grande estudo que os americanos chamaram de HAPO, uma sigla que significa hiperglicemia materna e resultados adversos da gestação.
Esse estudo examinou mais de 23.000 gestantes e seus bebês e chegou à conclusão de que pequenas variações no açúcar do sangue das mães influenciavam a adiposidade do corpo do bebê e a sua produção de insulina. Esses resultados passarão a ter um grande peso em nossa avaliação médica e nutricional das gestantes, principalmente porque se basearam em gestantes normais, ou seja, gestantes que não apresentavam diabetes gestacional.
Faremos uma abordagem sobre a importância do controle da glicemia materna durante os nove meses da gestação, não somente com o objetivo de prevenção do diabetes gestacional, mas à luz dos conhecimentos atuais, com a clara intenção de proteger o bebê contra o risco da obesidade e do diabetes, no futuro.
Durante os nove meses, a gestante passa a conviver com um enorme volume hormonal proveniente da sua placenta, que, se por um lado, garante a manutenção da gestação, por outro, altera consistentemente seu metabolismo, deixando-a propensa a apresentar amplas oscilações da glicemia ou de açúcar no sangue. Até aqui, tudo bem, pois a maioria das gestantes tolera bem tais mudanças e consegue manter seus níveis de açúcar dentro do normal e, portanto, livre do diabetes gestacional.
Quando a gestante, já exposta aos fatores hormonais que facilitam a ocorrência das elevações da glicose, apresenta outros fatores de risco, concomitantemente, ela estará mais vulnerável à ocorrência do diabetes. Dentre estes, podemos citar os riscos adicionais das mulheres que engravidam já com sobrepeso ou obesidade, das fumantes, daquelas com antecedentes pessoais de partos complicados e com antecedentes familiares de diabetes, das portadoras da Síndrome dos Ovários Policísticos e, finalmente, das gestantes que ganham peso excessivo durante a gestação.
Aproximadamente 7% de todas as gestações são afetadas pelo diabetes gestacional, resultando em mais de 200.000 casos anuais nos Estados Unidos. No Brasil, as estimativas não são diferentes. O Projeto Diretrizes de 2006, organizado pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, definiu estimativas de prevalência da doença em torno de 2,4 a 7,2%.
A questão básica e que implica no aumento do risco materno fetal pode ser explicada pelo efeito das elevações variáveis da glicemia da gestante. Esse relativo aumento do açúcar no sangue da gestante atravessa a placenta e alcança o bebê, causando nele uma elevação semelhante da glicemia, induzindo uma maior produção de insulina e todas as conseqüências deletérias do excesso desse hormônio.
As complicações fetais que pensávamos ocorrer apenas no diabetes gestacional, hoje, sabemos que podem ocorrer nas gestações livres do diabetes, mas sujeitas a maiores oscilações glicêmicas, anteriormente consideradas inofensivas.
Nas gestantes com diabetes, a intensidade dessa alteração pode levar à ocorrência dos fetos macrossômicos, os grandes bebês nascidos de gestantes diabéticas, que ocorrem em até 52% dos casos de diabetes gestacional mal controlados.
Além da macrossomia, esses bebês têm maiores riscos de malformações fetais, que ocorrem em cerca de 8% dos casos, alterações metabólicas, como as arriscadas baixas da glicose e do cálcio ao nascer, parto prematuro, desenvolvimento de obesidade e diabetes na adolescência, até o óbito fetal, que ocorre em cerca de 14% dos casos com mal controle.
Para as gestantes, o risco é o desenvolvimento da pré-eclampsia e eclampsia – a hipertensão da gravidez – que pode levar a quadros graves de convulsões e morte materna e o quase certo desenvolvimento de diabetes definitivo ao longo da vida dessas mulheres.
Nas gestantes não diabéticas, mas com maiores elevações glicêmicas, os pesquisadores constataram o nascimento de bebês com mais gordura corporal e maior produção de insulina.
O que aprendemos com o estudo HAPO foi que pequenas elevações glicêmicas maternas, muito menores do que aquelas anteriormente estipuladas como perigosas, podem atravessar a barreira placentária e alcançar o feto, estimulando nele uma excessiva produção de insulina.
Esse hormônio acelera os mecanismos de estocagem de energia sob a forma de gordura, propiciando o nascimento de bebês com muito mais gordura corporal e com um mecanismo acionado para que possam continuar lidando dessa mesma forma com os nutrientes que chegam até eles, ou seja, estocando mais do que queimando, com uma grande chance de serem obesos ou até diabéticos no futuro.
O objetivo da orientação nutricional da gestante de risco, principalmente aquelas que estão ganhando muito peso ou aquelas com glicose sanguínea em níveis limítrofes, é propiciar uma alimentação adequada para ela e seu bebê, permitindo a nutrição de ambos e o desenvolvimento adequado deste, sem as arriscadas oscilações glicêmicas e o ganho de peso excessivo de ambos.
A orientação nutricional da gestante começa pelo cálculo das calorias a serem consumidas diariamente e as necessidades calóricas variam de acordo com a idade, o peso pré-gestacional, o nível de atividade física e o estado nutricional.
A maioria das mulheres na idade adulta necessita ingerir uma média de 1800 calorias/dia para manter o peso, mesmo sem estarem grávidas. Durante a gestação, esta média se mantém no primeiro trimestre.
Já sabemos que a gestante não precisa comer por dois porque isso pode levar a um ganho excessivo de peso, assim como não deve tentar perder peso durante a gestação, pois pode ficar desnutrida, comprometendo o desenvolvimento fetal.
Durante o segundo e o terceiro trimestres de gestação, o gasto calórico da mulher aumenta, em média, 300 calorias/dia e sua alimentação deve permitir um ganho de peso de 10-12kg até o término da gestação nas mulheres com peso pré-gestacional normal, 12-14kg naquelas abaixo do peso ideal e no máximo 9kg naquelas com sobrepeso ou obesas.
A dieta da gestante diabética deve ser balanceada, ou seja, deve conter cerca de 40 a 50% de carboidratos, 25-30% de proteínas e 25-30% de gordura, muito semelhante às que se destinam às gestantes “normais”. O valor calórico não deve ser muito restrito, não se admitindo valores menores do que 1200calorias ao dia.
Um método simplificado seria adotar os seguintes critérios:
Gestante com peso normal – 30 calorias/kg de peso/dia;
Gestante com obesidade ou sobrepeso – 25 calorias/kg de peso/dia;
Gestante com baixo peso – 35 calorias/kg de peso/dia.
A gestante diabética deve se alimentar cerca de seis vezes ao dia, sendo três refeições básicas e três lanches. O último lanche deve ser feito antes de dormir para se evitar hipoglicemias noturnas com alterações metabólicas que também arriscam a gestação.
O grande tabu para as pessoas com diabetes, de uma maneira geral, e para as gestantes com diabetes, em especial, é o consumo de carboidratos. A regra básica é não abolir esse nutriente, pois inevitavelmente a gestante terá uma dieta rica em proteína e gordura, o que não é saudável.
Todas as refeições devem conter uma porção de carboidratos, de preferência os carboidratos complexos como pães, arroz, cereais, batata, mandioca, milho; de preferência integrais, uma vez que o conteúdo em fibras desses alimentos auxilia com que eles tenham uma absorção mais lenta e fisiológica, proporcionando uma saciedade mais longa e a melhora do trânsito intestinal.
Os carboidratos chamados de simples (açúcar) devem ser evitados ou utilizados com parcimônia, uma vez que causam absorção intestinal rápida do açúcar e com isso levam à oscilações agudas e amplas na glicemia materno fetal, o que não é bom nem para a mãe, nem para o bebê.
Além dos carboidratos, a gestante deve ingerir frutas, verduras, legumes, carnes magras e laticínios. A ingestão de frutas deve atender às recomendações de 3 a 4 porções de frutas diariamente e a de os laticínios, de 2 a 3 porções. Esses últimos garantem o aporte de cálcio necessário à formação do esqueleto do bebê, sem sacrificar a reserva esquelética da mãe.
Além da dieta, a gestante diabética, que não alcançar os valores glicêmicos normais, deve receber medicamentos como a metformina ou insulina. Deve ainda fazer controles glicêmicos em casa, tanto antes como duas horas após as refeições básicas, utilizando aparelhos de medição da glicemia e fitas reagentes apropriadas.
Após o parto a glicemia da gestante com diabetes gestacional volta ao normal, desaparecendo qualquer vestígio da doença. Entretanto, essas gestantes devem ser monitoradas durante os anos que se seguem, assim como seus filhos, pois essa calmaria é apenas aparente.
Cerca de 45% dessas pacientes tornam-se definitivamente diabéticas nos próximos 10-12 anos. Mais uma cilada que caracteriza essa doença, aparentemente tão inofensiva, mas verdadeiramente devastadora.
Há ainda no estudo muitas evidências de que o tamanho do bebê ao nascer está associado à maior adiposidade na vida futura dessas crianças, com obesidade e alterações em seus pâncreas que conferem a eles um maior risco de diabetes.
A mensagem promissora é de que a maioria dos estudos, que avaliam a evolução das crianças fruto de gestações complicadas com diabetes gestacional e suas mães, revelam que o tratamento adequado dessas gestações se associa a uma menor taxa de ganho de peso das gestantes, assim como de complicações hipertensivas na gestação.
Para os bebês, temos alcançado uma menor taxa de complicações perinatais como macrossomia, morte neonatal, lesões ortopédicas de braços e clavículas, baixa aguda e perigosa do açúcar no sangue do bebê, logo em suas primeiras horas de vida. Enfim, temos conseguido driblar as complicações materno fetais do diabetes, resta-nos, agora, entender melhor e evitar as alterações glicêmicas mais sutis nas mães e em seus bebês, para que possamos dar mais um passo no acompanhamento pré-natal das gestantes.