Dados preliminares de pesquisa da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP apontam que metade das deficiências mentais é causada por fatores ambientais como desnutrição, infecções crônicas e pós-natais e, principalmente, pelo uso de álcool e drogas pelas gestantes. O estudo investiga as causas dessas doenças há oito anos, com foco nas crianças internadas nas Associações dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) de Batatais, Altinópolis, Serrana, Cajuru e Nuporanga (interior de São Paulo).
O trabalho é feito pela equipe do professor João Monteiro de Pina Neto, do Departamento de Genética da FMRP. Ao todo são mais de 900 alunos. O objetivo é traçar um mapa da prevalência e os tipos das deficiências mentais nestas cidades, para estabelecer seus fatores de riscos e, assim, iniciar um projeto de prevenção. São realizadas avaliações psico-social, médica, com ênfase no exame neurológico e genético-clínico, heredogramas e detecção de famílias com múltiplos afetados e consagüinidade, exames genéticos, cariótipo, DNA e bioquímicas, exames de imagens como ressonância e tomografia.
Entre as mulheres grávidas que fazem pré-natal nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) nas cidades pesquisadas, de 10% a 30% fazem uso de álcool. A equipe do projeto encontrou um grande número de deficientes cujo fator desencadeante para a doença foi o uso do álcool pelas gestantes. A partir dessa informação, foi feito um levantamento nesses municípios, avaliando por meio de questionário as mulheres que fazem pré-natais nas UBS e a relação delas com o uso de álcool ou drogas.
Álcool
O questionário utilizado foi o T-ACE, adaptado pelos professores Erickson Furtado e Milton Roberto Laprega, da FMRP. O T-ACE é dividido em quatro questões: a primeira procura avaliar a tolerância ao consumo de álcool, a segunda busca descobrir se existem reações contrárias dos familiares à ingestão de bebidas alcoólicas pela gestante, e a terceira avalia o ressentimento pessoal com a bebida, por intermédio de uma auto-reflexão.
Em Batatais, a pesquisa chegou ao fim e revelou que cerca de 30% das mães declararam beber acima do limite durante a gravidez. Esses resultados foram entregues à Secretaria Municipal da Saúde. Para o coordenador da pesquisa, a estrutura agrária da região contribui para essa situação. “Os pais vêm em busca de trabalho e largam os filhos que são adotados pelo mundo das drogas”, afirma. “Por outro lado, tem o sujeito que não traz a família, ganha dinheiro e com isso seduz essas meninas ou jovens mulheres, que são levadas ao consumo do álcool e também de drogas mais pesadas, como a cocaína. Precisamos de campanhas contra o uso dessas drogas, que lesam o sistema nervoso de forma brutal”.
A partir dos 646 questionários aplicados em Batatais, entre 2003 e 2005, foram contactadas 165 mulheres por fazerem alguma referência ao uso de álcool e 96 foram entrevistadas. Dessas, 50 confirmaram o uso de álcool ou outro tipo de droga ou os dois juntos. Na escala de depressão e ansiedade, 10% dessas mulheres apresentaram algum tipo de psicose e o mais grave, algumas delas já têm até dois filhos lesados. A pesquisa contou com a colaboração da APAE da cidade e da aluna de Fisioterapia da FMRP, Thais Silva Mucchiaroni.
Prevenção
O professor Pina afirma que toda deficiência tem causa e é possível estabelecer essa causa em cada criança e ainda preveni-la em cerca de 80% dos casos. “O que existe é um enorme fosso entre quem detém o conhecimento e quem trabalha com o deficiente”, afirma o professor. “O problema se agrava porque falta estrutura para as APAEs e para as Unidades de Saúde dos Municípios no atendimento ao doente mental e principalmente para o trabalho de prevenção”.
O pesquisador lembra que, no Hospital das Clínicas da FMRP, por exemplo, a segunda causa de mortalidade de crianças com até 20 semanas de concepção é por doenças genéticas, aquelas com deficiência causada por fatores ambientais sobrevivem. “As APAES precisam ter um médico geneticista. A doença mental é crônica, eles não precisam vir ao HC para tudo”, enfatiza o professor “Vamos pagar um preço muito alto se pensarmos só em tratamento e não em prevenção para a deficiência mental e ainda teremos que construir muitas APAEs por ano”, afirma.