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Novos padrões familiares

Tempo de Leitura: 7 minutos
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As circunstâncias históricas promoveram mudanças significativas na estrutura familiar relativas aos papéis dos membros, legalização e aumento do divórcio e das uniões homossexuais, produções independentes, casamentos não-oficiais, opção dos casais em terem ou não filhos, iniciação sexual precoce com histórico de aborto e filhos na adolescência, formação de famílias por membros divorciados e com filhos de relações anteriores, adoção de filhos por casais homossexuais, famílias chefiadas por mulheres com filhos e sem cônjuge, aumento de órfãos de pais mortos por abuso e tráfico de drogas, sexo pela internet, competição cronológica entre mães e filhas e mulheres com o dobro ou triplo da idade de seus pares.
As transformações estruturais na composição familiar ocorridas nas últimas décadas forçaram o surgimento de novos arranjos em substituição ao modo tradicional e, ao mesmo tempo em que contribuíram para a flexibilização do pensamento e ampliação da compreensão do ser humano, geraram instabilidade e incertezas que exigem tempo e trabalho árduo dos profissionais das áreas sociais, educacionais, da saúde, do comportamento e políticos para desenvolver alternativas válidas e adaptáveis às novas demandas.
O conceito tradicional de família, fundamentado no casamento oficial, na produção econômica conjunta e composição ampliada de gerações foi alterado para um modelo de supervalorização da individualidade, organização nuclear, nivelação ou inversão da autoridade entre pais e filhos com predomínio das emoções e sentimentos, em detrimento da razão e solidez educacional e, por último, para o estágio atual, carente de modelo, caracterizado pela multiplicidade de formas, desarranjos e rearranjos não convencionais e inconstantes, formados por membros incapazes de lidar com os problemas produzidos pelas recentes transformações.
A falta de recursos para enfrentar as demandas atuais constitui verdadeiras fontes de conflito, angústia e estresse, tornando o grupo mais vulnerável a crises e problemas como a perda dos referenciais parentais, excesso de permissividade, aumento do abuso de drogas, acúmulo de funções de um dos membros, pobreza de diálogo, frieza e distanciamento afetivo, aumento das disfunções sexuais, delegação da responsabilidade financeira e cuidado básicos dos filhos aos avós, às creches e escolas.
No entanto, a família se mantém como matriz de identidade do sujeito e deve ser pensada e reforçada como uma instituição ética, formada por membros dispostos ao trabalho, provedores de segurança, alimento, moradia, vestuário, saúde, suporte afetivo, educação formal e familiar, formação moral e religiosa. A família é responsável pela correção dos atos de seus membros, pela promoção de recursos básicos para o crescimento e desenvolvimento pleno das competências biopsicossociais da criança, incluindo integridade de caráter, senso de aceitação e autonomia para governar a própria vida e lidar com os desafios extra-familiares.

Famílias se constituem a partir da união de duas pessoas com expectativas, crenças e comportamentos diferentes e se caracterizam pelo compromisso, durabilidade dos vínculos e permanência dos membros. Acordos que nem sempre se cumprem devido à falta de reflexão, de recursos para solucionar problemas cotidianos e lidar com pontos discordantes, superar dificuldades, educar filhos com autoridade e limites adequados.

Padrões de interação familiar se formam através da transmissão hereditária de crenças, valores, mitos e outras peculiaridades que serão atenuados ou agravados conforme o desenvolvimento psicológico de seus membros e habilidade no manejo de situações críticas e pela influência de fatores adversos externos como desemprego, dificuldades financeiras, rupturas de vínculos afetivos. Um padrão interacional familiar sustentável requer elevados níveis de compreensão das necessidades de seus membros, capacidade para supri-las e construção sólida de valores éticos.
As recentes alterações não significam a extinção do modelo adequado de famílias, mas a cisão com o passado e a busca de adaptação ao presente. A existência de uma crise familiar generalizada implica na reedição, numa proposta de ajustamento ao presente. Os papeis sociais, profissionais e familiares estão difusos, não mais centralizados na idéia de força e poder, mas na divisão de responsabilidades e tomada de consciência da necessidade de revisão de valores e criação de propostas comportamentais coerentes com a realidade. Famílias convencionais coexistem com os novos estilos familiares e, sejam quais forem os padrões adotados, é fundamental transmitir aos descendentes o aprendizado da aceitação e respeito à diversidade.
O mundo capitalista formou famílias igualitárias, sem distinções hierárquicas. Ordens de filhos e submissão de pais são tão normais quanto o capim comer a cabra e, tal desajuste tem como causa e conseqüência relações conjugais e familiares instáveis que tentam se sustentar nas satisfações sexual, emocional, material, consumista, alcoolista e, em outras maneiras de compensações imediatas.

Mudanças no papel da mulher na sociedade resultaram na redução do tempo dedicado à família e criação de filhos, sobrecarga de responsabilidades feminina e aumento da competição entre o casal. Não que se deva desmerecer a conquista feminina nesse sentido, mas repensar a divisão de tarefas e resgatar princípios básicos relativos à dignidade do envelhecimento e aceitação da diferença entre as gerações. A mídia influencia comportamentos e contribui para o aumento de divórcios, exibindo maciçamente, às grandes massas, programas que tratam a família e a separação conjugal como a primeira e melhor alternativa para sanar problemas de insatisfação pessoal, em detrimento da formação da personalidade e da preservação da instituição de referência dos filhos.

A família é a referência primária no desenvolvimento da personalidade do indivíduo. O que a criança observa, sente e apreende nesse contexto servirá, em grande parte, de base para condutas futuras. É na família, não em um caos de fragmentos, que a criança forma sua identidade, aprende a se relacionar com figuras de autoridade, a enfrentar medos e frustrações, resolver problemas, fazer escolhas e assumir a responsabilidade por elas. Na adolescência e juventude, desenvolve o senso de adequação, aceitação, conscientização do processo de individualização e integração social – as bases para conviver em grupo e se sustentar decentemente até a morte.
Ações humanas são norteadas por crenças e valores aprendidos no grupo sociocultural primário que deve se traduzir num ambiente organizado, sustentado por membros aptos a determinar padrões de funcionamento sadios. Casamentos não devem ser mantidos em situações precárias e nocivas, assim como não devem se desfizer ao primeiro sinal de conflito. O ser humano precisa reaprender a tomar decisões relativas ao casamento, isto é, somente quando estiver seguro do que deseja e dispuser de condição emocional e competência financeira para assumir tal empreendimento.

As mudanças na estrutura familiar devem ser percebidas como um processo de reestruturação que, independentemente do formato constitucional, deve oferecer princípios sólidos de educação e respeito. A família, em sua dinâmica específica, deve propiciar um ambiente saudável que possibilite a emancipação e capacitação de seus membros para valorizar e retribuir o cuidado aos mais velhos, à medida que se invertem as necessidades de cuidados entre as gerações. Não há um modelo universal ou superior de organização familiar. Famílias variam quanto à estrutura, dinâmica, crenças e momento histórico. Toda família tem problemas, embora algumas os neguem, sabemos que não existem famílias perfeitas, além dos comerciais de margarinas.
A contemporização da família não exclui o padrão formal, mas, se amplia para incluir e aceitar padrões antes percebidos como desvios e abranger a heterogeneidade de novas configurações de relacionamento afetivo-sexuais e familiares. Preconceitos e idealizações construídos nas relações sociais devem ser repensados e produzidos novos comportamentos frente a essa demanda de modo que possam ser validados socialmente. Nesse sentido, a compreensão de sua origem, dificuldades e limitações, é o único meio de criar um presente tolerável, coerente e contínuo.

Mara Lúcia Madureira – Psicóloga Cognitiv

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