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Os tipos de parto

Tempo de Leitura: 7 minutos
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Em primeiro lugar, devemos pensar o seguinte: é possível classificar partos antes deles acontecerem?

 

Em segundo lugar: mesmo que fosse possível, é coerente achar que partos, nascimentos, bebês, mulheres possam ser classificados por tipos? Vamos fazer um balanço da história recente da obstetrícia, para entender porque e como os partos foram classificados.
A separação dos partos por tipos aconteceu em decorrência do nosso sistema obstétrico. Desde que o atendimento passou a ser hospitalar, feito exclusivamente pelos médicos, em macas horizontais, com as mulheres em posição ginecológica, a classificação ficou óbvia: “Parto Normal” ou “Cesariana“. Não havia alternativa. Se a mulher não conseguia dar à luz nessas condições padronizadas, ia para a cesárea.

 

As condições padronizadas sob as quais as mulheres deveriam tentar o “Parto Normal” eram: separação do companheiro ou qualquer acompanhante, salas de pré-parto coletivas sem qualquer privacidade, impossibilidade de livre movimentação, soro com hormônios para acelerar as contrações e, portanto encurtar o trabalho de parto, período expulsivo com a mulher deitada de costas, pernas amarradas a suportes, comandos para fazer força, enfermeiras empurrando a barriga da mulher, entre outras situações que variavam de serviço para serviço. Convém lembrar que em muitos hospitais do Brasil essa ainda é a regra, infelizmente, indo contra todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Eventualmente o parto ficava difícil e havia a aplicação do fórceps alto (um instrumento que consiste de um par de colheres metálicas), que buscava a cabeça do bebê no canal de parto para puxá-lo para fora. Essas experiências eram traumáticas para a mãe e com freqüência lesavam irreversivelmente o bebê. Era o “Parto Fórceps” ou ainda “Parto a Ferro“. Hoje em dia caiu em desuso e os médicos agora usam o “fórceps de alívio”, quando o bebê já está mais baixo no canal de parto. Usado com parcimônia seria um excelente recurso para acelerar o período expulsivo em casos de emergêcia ou sofrimento fetal, lembrando que estas são ocorrências extremamente raras em partos de baixo risco. O uso rotineiro é desconselhado, o que vale para qualquer intervenção médica em um processo natural e fisiológico.
A partir da década de 70 o mundo inteiro testemunhou inúmeros movimentos pelo resgate do parto como um evento social, afetivo e familiar. Aqui e ali surgiram obstetras preocupados com o excesso de medicalização e grupos de consumidoras que lutavam por melhores condições para darem à luz seus bebês.
Na França, Leboyer foi um dos expoentes desse movimento e advogou uma forma mais amena de se nascer: pouca luz, silêncio, sem violência, banho do bebê perto da mãe, amamentação precoce. No entanto seu foco era o bebê, não a mulher. Geralmente esta estava deitada de costas, pernas em estribos e o uso da episiotomia era rotina. De qualquer forma, por seu pioneirismo, pela qualidade de nascimento oferecida ao bebê – mais do que pela qualidade de experiência de parto oferecida à mãe – no mundo inteiro esses partos ficaram conhecidos por “Parto Leboyer“.

Ainda na França, na cidade de Pithiviers, Michel Odent, entre várias inovações dignas de mérito, começou a usar banheira com água quente para o conforto das parturientes. De lá para cá, o “Parto na Água” tem sido utilizado no mundo inteiro, em banheiras especiais ou improvisadas. Nas maternidades européias as banheiras são oferecidas às parturientes tanto para o alívio das dores do trabalho de parto, como para o parto em si. Estudos científicos comprovam que o uso da água quente no trabalho de parto é um excelente coadjuvante no combate à tensão e à dor. No Brasil pouquíssimas clínicas e médicos oferecem esse conforto às pacientes, infelizmente.
Onde havia liberdade para movimentação das mulheres, o “Parto de Cócoras” ganhou terreno, por ser mais rápido, mais cômodo para a mulher e mais saudável para o bebê, pois não se produzia mais a compressão de importantes vasos sanguíneos, o que acontece com a mulher deitada de costas. No Brasil o Dr. Moysés Paciornik estudou comunidades indígenas e resgatou o parto verticalizado. Criou com seu filho Dr. Cláudio Paciornik uma cadeira para ser usada em hospitais, que permitia várias posições para a mãe, sem comprometer o conforto do médico. Embora não haja necessidade de cadeiras especiais para que a mulher assuma essa posição, muitos profissionais afirmam que não fazem partos de cócoras porque no hospital não existe “a cadeira para parto de cócoras” à disposição.
Desde os anos 80, com a popularização das questões ecológicas, e com os movimentos de resgate de uma vida mais saudável, natural e espiritualizada, muitas mulheres passaram a optar pelo “Parto Natural“, sem intervenções, sem anestesia e domiciliar em muitos casos. No entanto o termo “Parto Natural” muitas vezes tem sido utilizado como sinônimo de “Parto Vaginal“, o que nem sempre é verdadeiro. Um parto vaginal com episiotomia, rompimento artificial da bolsa d’água, aceleração com soro, anestesia, raspagem dos pêlos, entre outras intervenções, não pode ser classificado com o nome de “Parto Natural“.
O termo “Parto Sem Dor” tem várias conotações. Os métodos psicoprofiláticos desenvolvidos especialmente nos Estados Unidos propunham uma espécie de treinamento às gestantes, baseado em técnicas respiratórias, de relaxamento, de concentração, entre outas. A idéia geral é que uma mulher bem preparada para o parto e bem acompanhada durante todo o processo terá muito menos dor do que uma mulher assustada e tensa. A idéia faz sentido, mas convém lembrar que a dor do parto continua existindo, agora sem o sofrimento causado por medo e tensão. Os métodos mais conhecidos são Bradley, Lamaze e Hipnobirth.
No Brasil “Parto Sem Dor” é comumente confundido com parto sob anestesia. Obviamente a anestesia bloqueia a dor, mas também diminui as sensações das pernas e do assoalho pélvico. Essas sensações são responsáveis pela força que a mulher faz na hora de “empurrar” o bebê para fora. Portanto, embora haja o bloqueio a dor, alguns efeitos indesejáveis como a perda do controle sobre o processo do parto, entre outros, podem ocorrer. Em muitos serviços médicos a anestesia é aplicada no final do trabalho de parto, já no período expulsivo, de modo que o período de dilatação não se passa sob efeito das drogas anestésicas. De qualquer modo, as formas naturais de se lidar com a dor deveriam ser largamente oferecidos e utilizados antes de serem aplicados os métodos farmacológicos de bloqueio da dor.
Atualmente um novo termo tem sido utilizado: “Parto Humanizado“. Como não houve uma formal definição do termo, ele é usado em todo tipo de circunstância. Para o Ministério da Saúde, parto humanizado significa o direito que toda gestante tem de passar por pelo menos 6 consultas de pré-natal e ter sua vaga garantida em um hospital na hora do parto. Para um grupo de médicos, significa permitir que o bebê fique sobre a barriga da mãe por alguns minutos após o parto, antes de ser levado para o berçário. Em alguns hospitais públicos significa salas de partos individuais, a presença de um acompanhante, alojamento conjunto, incentivo à amamentação, entre outros benefícios.
No mundo inteiro, no entanto, o que está se discutindo é: “o atendimento centrado na mulher“. Isso deveria ser o correto significado de parto humanizado. Se a mulher vai escolher dar à luz de cócoras ou na água, quanto tempo ela vai querer ficar com o bebê no colo após seu nascimento, quem vai estar em sua companhia, se ela vai querer se alimentar e beber líquidos, todas essas decisões deverão ser tomadas por ela, protagonista de seu próprio parto e dona de seu corpo. São as decisões informadas e baseadas em evidências científicas.

Enquanto nós mulheres não reivindicarmos nossos direitos, enquanto as decisões couberem aos profissionais prestadores de serviços médicos, aos hospitais que elas escolheram, à diretoria que cria as condições de atendimento, enfim, enquanto deixarmos que os outros cuidem do que é nosso, os “tipos de parto” fazem sentido. É a classificação dos partos que nos serão permitidos ou oferecidos de acordo com as necessidades, conveniências e crenças dos outros.

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